Cem anos em um dia (ou noite)

Levei tanto tempo para pegar este livro que meu pai tinha ganhado de meu tio... Ficava ali, de escanteio, no meio de tantos outros em casa... A capa me intrigava.

Quem disse que não elegemos nossas leituras pela capa? Até o dito popular preconiza que “não julguemos um livro pela capa”, mas assim como o Tao Te Ching, se foi expresso como lei, conselho ou filosofia, é porque fazemos justamente o contrário. Julgamos as pessoas pela aparência, e os livros pela capa.

Pelo menos eu, confesso que se um livro é bom, a capa tem que ser também. Isso me lembra de uma palestra do designer Chip Kidd na plataforma TED em que ele conta, com muito humor, como cria, com muita paixão, capas de livros à altura do conteúdo interior.

Mas já que mudei de assunto, deixa eu voltar para o assunto deste artigo. O livro ficava ali, a capa me convidando, até que um dia, meados da década de 1990, o peguei. Ainda bem que o peguei.

Coloquei na mochila para ter algo para ler na minha viagem de férias e li de uma tacada, durante a viagem mesmo (sem enjoar, que milagre foi esse?), enquanto o ônibus sacolejava a caminho da ilha de Morro de São Paulo, na Bahia.

As ilustrações e a capa icônica do artista Carybé só faziam aguçar mais ainda a curiosidade. Assim como a capa icônica que me seduziu, as ilustrações do texto não eram literais: interpretavam e acrescentavam sentido simbólico, metafórico à leitura.

Para quem ainda não descobriu, estou falando sobre "Cem anos de solidão", do escritor colombiano Gabriel García Marquez.

Um dos primeiros livros que elegi por vontade própria. Quando saí da escola, comecei realmente a me tornar uma leitora: a partir de então, escolheria minhas leituras, não aquele monte de livros maçantes que era obrigada a ler - e nunca lia - no currículo regular**.

Desde então, sempre tive esse prazer, nem sempre confesso, de julgar um livro pela capa – ou pelo título. Quem nunca clicou num link com título chamativo (os ditos clickbaits) que atire a primeira pedra!

Comprei muitos livros assim. Decerto, foi o que mais me atraiu no livro de Garcia Marquez. A boa ilustração, que incita mais do que revela. O fascínio do mistério – o que será que tem escrito aí dentro? - me atraiu como uma presa fácil para a arapuca. Para minha sorte, o conteúdo não ficava nem um pouco a dever!

O desenrolar da história excitava a imaginação. O que aconteceria àquela dinastia que vivia em Macondo, o lugarejo que não possuía cemitério, porque lá nunca havia morrido ninguém? Àquela família onde todos recebiam o nome de Aureliano? Tão prosaico, tão delicioso de ler e descobrir o destino daquela gente.

García Marquez tem o dom de contar fatos tão versossivilmente nonsense  (acho que inventei uma palavra aí), que acabamos nos acostumando com o absurdo. O absurdo real*...

Acabei a leitura, com aquele gostinho de quero mais, querendo uma continuação... Nunca mais li outro livro de García Marquez, o que preciso remediar em breve. Acho que eu mesma vou usar os links da Amazon aí abaixo e comprar algum outro!

E você? Já leu um livro por causa da sua capa? Me conta aí, eu quero saber! Quem sabe tem gente suficiente para fundar um clube.

 


 

 

* Sobre este assunto, ele mesmo pontuou no seu discurso  no recebimento do prêmio Nobel; um espetáculo à parte e cuja transcrição pode ser conferida por aí na internet, basta dar uma busca. É uma das coisas que li e que mais constantemente me volta à memória, quando vejo notícias estapafúrdias sobre atualidades e política. Não é preciso “criar” nada: a realidade é tão ou mais pródiga em matéria-prima para histórias fantásticas que a imaginação do mais inventivo escritor.

** Ainda vou escrever sobre isso: as leituras prazerozas que tive a sorte de ser obrigada a cumprir, enquanto estava na escola.

*** Os livros mencionados neste artigo contém links para sites de afiliados. Compre através deste link e receberei uma pequena comissão pela sua aquisição. Desde já, muito obrigada!

Nota: O Tao te ching (ou Dao De Jing, pasa usar a transliteração pin yi), assim como a Bíblia, tem várias edições... o link que coloquei é interessante por ser uma tradução para o Português direto do original chinês, o que é raro, e contém os ideogramas do texto original.

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